Tuesday, December 12, 2006

Maria Madalena, a companheira do Salvador


"Maria, tu, a abençoada, a quem vou aperfeiçoar em todos os mistérios do alto, fala com franqueza, tu, cujo coração está mais voltado ao reino de céu do que todos teus irmãos" (Pistis Sophia, livro 1, cap. 17).
A vida de Maria Madalena só é possível ser traçada através das fontes que nos foram deixadas pela tradição cristã. Estas fontes são os textos canônicos e os chamados apócrifos, principalmente os de cunho gnóstico. Estas fontes eram orais e únicas desde os primeiros tempos do cristianismo, até que no Concílio de Nicéia, em 325, houve a separação do o que era oficialmente aceito pela Igreja de Roma, os textos canônicos.
Maria Madalena é, com certeza, uma das personagens mais enigmáticas do Novo Testamento. Existem poucas citações diretas sobre ela nos quatro evangelhos, porém ela está nominalmente presente nas passagens mais marcantes na vida do Cristo, como a Paixão e a Ressurreição. Ela é a discípula que ama o mestre acima de tudo e é testemunha da Sua Ressurreição, sendo a portadora da Boa Nova. Por isso ela pode ser considerada a primeira apóstola.
Também dentro da tradição gnóstica ela possui um papel de suma importância como transmissora da Gnose, como portadora da Luz e como símbolo do verdadeiro adepto. Para muitas seitas cristãs originais, Maria Madalena era uma Mestra e seus ensinamentos eram oralmente transmitidos.
Apesar disso, ela teve toda uma simbologia gerada em torno de si, que acabou velando o verdadeiro significado de sua participação na vida e na obra de Jesus Cristo, e ocultando o real arquétipo que ela representa.
A imagem que foi sendo formada através dos séculos foi a da mulher pecadora, provavelmente uma prostituta, que foi purificada pelo Cristo, e como prova de seu amor espiritual, lavou os pés do Senhor e os enxugou com os próprios cabelos. Como mulher cheia de pecados, ela representou o arquétipo feminino tradicional, a transmissora do pecado original, que após ser curada, passou sua vida em penitência e arrependimento.
Uma das mais importantes figuras femininas dos evangelhos, Maria Madalena acabou tendo adulterado o significado de seu papel e de sua obra, sendo relegada a um segundo plano dentro da tradição cristã católica romana.
Contar a sua história é resgatar a profunda história de amor espiritual ao Cristo e aos Seus ensinamentos, representado pelos atos de Sua discípula mais amada.
A principal fonte canônica para traçarmos a história de Maria Madalena são os quatro Evangelhos: os três sinópticos 2 (Marcos, Lucas e Tadeu) e o de João. Ela é citada nominalmente sempre nas mesmas circunstâncias, sendo que no de João, sua importância como única testemunha da ressurreição do Cristo é mais relevante. A única diferença entre os três primeiros evangelhos é uma citação que Lucas faz sobre as mulheres que acompanhavam Jesus :
"Os doze o acompanhavam, assim como algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios, Joana mulher de Cuza, o procurador de Herodes, Susana e várias outras, que o serviam com seus bens" (Lucas, Cap 8 v.1-3). 3
O seu segundo nome, Madalena, ou Magdalini em grego, significa que ela era natural de Magdala, ou Mejdel. Escavações efetuadas na cidade e escritos de Flavius Josefus e outros, a descrevem como uma rica cidade comercial, baseada na pesca, e com muito contato com o mundo helênico, localizada no lado noroeste do lago da Galiléia. Maria (ou Mariam) é sempre citada com seu segundo nome para diferencia-la das demais mulheres citadas no Novo Testamento com o mesmo nome: Maria mãe de Jesus; Maria, mãe de Tiago e Maria de Betânia, irmã de Lázaro.
Era permitido no judaísmo que mulheres ajudassem e servissem com seus bens à rabinos e seitas, porém não lhes era permitido participar ativamente dos rituais e eram separadas nas sinagogas. Essa atitude era devido ao status que as mulheres tinham nas comunidades judaicas, e ao fato de serem consideradas impuras e portadoras do pecado original.
No caso das mulheres que seguiam Jesus, não é dito claramente que papel tinham no grupo, porém a palavra grega utilizada, diakonein, pode tanto significar "servir" como "ministrar", "ensinar", e é a palavra que deu origem ao termo Diácono, que tinha um papel relevante nas comunidades cristãs iniciais.
Jesus, com certeza, quebrou com várias regras estabelecidas pela comunidade judaica, e dar um papel mais importante às mulheres dentro de seu grupo foi uma dessas regras. Cristo conversava diretamente com elas, ministrando-lhes conhecimentos sagrados, tal como fez com Maria de Betânia, irmã de Marta e com a Samaritana; e se deixava tocar por mulheres consideradas impuras pelos judeus tradicionais. Com certeza, Paulo em suas epístolas, cita algumas mulheres que tinham tarefas de evangelização dentro da comunidade, tais como Febe, diaconisa da Igreja da Cencréia, Maria, "que muito fez pela comunidade romana"; e Júnia chamada de "apóstola" (Romanos, cap16 v 1-8). Com certeza, Maria Madalena não é citada, dentro dos evangelhos canônicos como um dos apóstolos, mas podemos inferir que era uma discípula com preeminência, pois é sempre citada primeiramente, e não tendo nenhum grau de parentesco assinalado.
Os "sete demônios" citados no versículo de Lucas com certeza não se referem a enfermidades ou coisas malignas, mas sim aos sete defeitos capitais, as influências astrais, dos quais Maria Madalena se libertou quando seguiu o caminho do Cristo. Nesse sentido, ela representa a purificação alcançada pelo trabalho espiritual, condição para que depois possa receber a Gnose e transmiti-la ao mundo. Ela não é a "nascida Virgem", mas a "tornada Virgem". É a Alma purificada para seu retorno à Divindade.
Existem várias citações sobre Maria Madalena e as mulheres que acompanhavam Jesus durante os eventos da Paixão:

A Crucificação

Marcos

Jesus abandonado pelos discípulos é crucificado. "E também estavam ali algumas mulheres, olhando de longe. Entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago o menor, e de Joset, e Salomé. Elas o seguiam e serviam enquanto esteve na Galiléia. E ainda muitas outras mulheres que subiram com ele para Jerusalém" (Cap 15 v.40-41).

Mateus

Jesus abandonado pelos discípulos é crucificado. "estavam ali muitas mulheres, olhando de longe. Haviam acompanhado Jesus desde a Galiléia, a servi-lo. Entre elas, Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu"(Cap 27 v.55).

Lucas

A crucificação é acompanhada por todos seus amigos e pelas mulheres que o acompanhavam desde a Galiléia. Estas ficavam à distância, observando.

João

"Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria mulher de Clopas, e Maria Madalena. Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo a quem amava, disse à sua mãe: "Mulher, eis o teu filho!" Depois disse ao discípulo : "Eis a tua mãe!" E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa" (Cap 19 v.25).